Na história do Cristianismo, sabemos que nunca houve um pleno consenso doutrinário entre os intérpretes da Bíblia. Das diferentes interpretações surgiram cismas e novos grupos religiosos professando a mesma fé em Jesus, e na maioria dos casos os integrantes de cada movimento religioso recebiam uns aos outros como irmãos em Cristo.
Mais especificamente no Século XIX, surgiram homens, inconformados com as doutrinas centrais do Cristianismo, como a Trindade, a Imortalidade da Alma e das Penas Eternas, e ao mesmo tempo decepcionados com o liberalismo religioso apregoado por teólogos que não criam na Bíblia como a inteira Palavra de Deus. Tais homens, rejeitando seus antigos movimentos religiosos, ou suas anteriores igrejas cristãs, iniciaram novos movimentos partindo do pressuposto de que após a morte de João, o último apóstolo de Jesus a falecer, teria surgido uma grande apostasia que ou fez o Cristianismo desaparecer ou o tornou difícil de ser identificado. Assim, criaram o mito do ressurgimento do Cristianismo Verdadeiro a partir do novo grupo com as crenças por eles criadas ou trazidas de volta dos idos em que elas foram consideradas como heresias pela Igreja Cristã. Foi neste contexto e com essa motivação que Charles Taze Russell deu origem ao movimento Estudantes Internacionais da Bíblia, desde 1931 conhecido como Testemunhas de Jeová. Conforme narra a uma das obras mais conhecidas desta organização, Russell pretendeu reunir todas as verdades bíblicas espalhadas pelas religiões numa única religião:
“Que dizer de outras doutrinas bíblicas que foram consideradas na Watch Tower e em outras publicações? Reivindicou Russell todo o mérito de ter desvendado essas gemas da verdade? Russell explicou: “Descobrimos que por séculos várias seitas e grupos dividiram entre si as doutrinas da Bíblia, misturando-as, em grau maior ou menor, com especulação e erro humano . . . Descobrimos que a importante doutrina da justificação pela fé e não pelas obras fora claramente enunciada por Lutero e mais recentemente por muitos cristãos; que a justiça, o poder e a sabedoria divina foram cuidadosamente preservados pelos presbiterianos, embora não discernidos claramente; que os metodistas apreciaram e louvaram o amor e a compaixão de Deus; que os adventistas prezaram a doutrina sobre a volta do Senhor; que os batistas, entre outros pontos, sustentaram corretamente a doutrina do batismo em sentido simbólico, embora tivessem perdido de vista o verdadeiro batismo; que, fazia tempo, alguns universalistas sustentavam vagamente alguns pensamentos relativos à ‘restauração’. Assim, quase todas as denominações deram evidência de que seus fundadores vinham buscando a verdade: mas bem evidentemente o grande Adversário lutou contra eles e erroneamente repartiu a Palavra de Deus, que ele não podia destruir totalmente.” […]Ele explicou: “Nosso trabalho . . . tem sido de ajuntar estes fragmentos da verdade há muito espalhados e apresentá-los ao povo do Senhor — não como novos, não como nossos, mas como do Senhor. . . . Precisamos rejeitar qualquer mérito até mesmo de termos encontrado e reagrupado as joias da verdade.”[1]
A ideia de reunir as supostas verdades espalhadas entre as seitas e igrejas e apresentá-las ao Senhor, conforme Russell afirma, resultou em que aquele grupo se achasse detentor da única doutrina verdadeira. Quem determinava as doutrinas do movimento a serem cridas pelos adeptos era Russell, e mais tarde sua equipe de editores. Tais doutrinas eram publicadas em livros e revistas.
Com o tempo, os líderes das Testemunhas de Jeová responsáveis por suas doutrinas e interpretações bíblicas passaram a ser chamados de Corpo Governante. Até a data presente, outubro de 2018, o Corpo Governante é composto por oito pessoas. Os nomes dos membros são os seguintes[2], seguidos da data de entrada no Corpo Governante:
Graças a tal Corpo Governante e suas interpretações da Bíblia, todas as Testemunhas de Jeová compactuam a crença de que sua organização religiosa é a única religião verdadeira. Quais são as supostas bases bíblicas para tal interpretação? Será que elas resistem a uma interpretação exegética quando procura ser fundamentada em textos bíblicos?
As Bases do Exclusivismo Religioso do Corpo Governante
A liderança mundial das Testemunhas de Jeová, ao longo dos anos, tem afirmado ser a única religião verdadeira. Declarou-se isso, por exemplo, da seguinte forma:
“É somente lógico que haja uma só religião verdadeira. Isto se harmoniza com o fato de que o verdadeiro Deus é um Deus não “de desordem, mas de paz”. (1 Coríntios 14:33) A Bíblia diz que existe realmente “uma só fé”. (Efésios 4:5) Quem, então, são os que formam o corpo de verdadeiros adoradores hoje? 20 Não hesitamos em dizer que são as Testemunhas de Jeová.” [3]
Para a Igreja Cristã Protestante-Evangélica, poder-se-ia admitir haver uma única religião verdadeira, mas esta não se trata de uma denominação cristã. No Novo Testamento, onde lemos a origem e o desenvolvimento da Igreja Cristã desde o Pentecostes de Atos Capítulo 2, nada se diz sobre um nome de Religião a ser reconhecida como a verdadeira, mas apenas suas credenciais. Conforme explicou Stott:
“O que distingue o verdadeiro seguidor de Jesus não é o credo, nem o código de ética, nem as cerimônias, nem a cultura, mas Cristo. O que, com frequência, equivocadamente se chama de “cristianismo” não é, em essência, uma religião nem um sistema, mas uma pessoa: Jesus de Nazaré.” [4]
O Cristianismo verdadeiro, portanto, é Cristo, pois ele é, segundo a Bíblia, em 1 Pedro 2:21, o padrão ou “exemplo, para que sigais os seus passos”[5]. Também lemos em Tiago 1:27 que “A religião pura e imaculada diante do nosso Deus e Pai é esta: visitar os órfãos e as viúvas nas suas dificuldades e não se deixar contaminar pelo mundo.”[6] A palavra aqui “religião” é a tradução da palavra grega “treskeia” e segundo Vine comenta, a intenção proposital de Tiago ao usar este vocábulo usado para significar religião em seu aspecto exterior foi “pôr em contraste o que é irreal e enganoso com a “pura religião”, a qual consiste em “visitar os órfãos e as viúvas em suas tribulações”. Para Vine, a piedade e o amor de Deus são o “treskeia” ou o corpo da religião verdadeira.[7] Portanto, a interpretação da Igreja Protestante-Evangélica coaduna-se com a mensagem do Novo Testamento de que a verdadeira religião tem a ver com o seguir as pisadas de Cristo e imitá-lo, conforme o Apóstolo Paulo escreveu em 1 Coríntios 11:1 e Efésios 5:1 admoestações para os cristãos imitarem a Paulo como ele imitava a Cristo e imitarem o próprio Deus.[8]
Sobre a alegação do Corpo Governante de que há uma única religião verdadeira porque Deus é um Deus “não de desordem, mas de paz”, questiona-se: Será que o Apóstolo Paulo escreveu estas palavras aos Coríntios para defender a crença de que as Testemunhas de Jeová são a única religião verdadeira? Impossível, pois seria um anacronismo. Paulo escreveu estas palavras cerca de 1820 anos antes de Russell iniciar tal movimento. Muito menos Paulo, de acordo com o contexto, escreveu tais palavras para falar daquela igreja como denominação religiosa verdadeira. Paulo escreveu isto com a intenção de pôr ordem no culto, ou como Pinto, no esboço de 1 Coríntios, escreve:
“O uso maduro dos dons espirituais exige obediência às instruções apostólicas para a ordem na adoração cristã (14.26-40) […] A participação das mulheres na adoração pública deve ser regulamentada pelo princípio de submissão e pelas instruções dos apóstolos (14.33b-36)”.[9]
Mesmo que o Corpo Governante insista que Deus seria um Deus de desordem se admitisse haver muitas denominações cristãs com interpretações diferentes, como expressão do Cristianismo, ou de Cristo, dois fatos seguintes poriam por terra tal conclusão: Primeiro, o fato de Deus ser Deus não de desordem mas de paz não implica que tenhamos a capacidade de interpretarmos a Bíblia uniformemente; somos imperfeitos e incapazes de tal proeza. Segundo, a própria história do movimento Testemunhas de Jeová atesta que tal organização já sofreu divisões e grupos dali surgiram como os Auroristas do Milênio e os Russelitas. E por que se dividiram? Devido a diferentes interpretações. Além disso, dentro do próprio movimento já houve muitas mudanças de ensinos. Será que as Testemunhas de Jeová admitiriam que seu “deus” é de confusão por tais mudanças?
Outro argumento do Corpo Governante usado para promover a crença de que as Testemunhas de Jeová são a única religião verdadeira é o de que existe apenas uma só fé, conforme Efésios 4:5. Mas o que lemos neste texto e no contexto? Observe:
“Há um só corpo e um só Espírito, como também fostes chamados em uma só esperança do vosso chamado; há um só Senhor, uma só fé, um só batismo; um só Deus e Pai de todos, que é sobre todos, por todos e está em todos.” – Efésios 4:4-6.[10]
Será que a palavra “fé” aqui significa “denominação”, “crença” religiosa ou conjunto de todas as doutrinas e interpretações de uma liderança? De forma alguma. Champlin afirma que “é a fé evangélica que está aqui em foco, a saber, a entrega da alma, feita pelo crente, às mãos de Cristo” ou seja, “a fé no Senhor Jesus, pela qual somos salvos”.[11] Wood também afirma que tal fé se trata do “comprometimento pessoal a Cristo” e que “envolve um reconhecimento de quem ele é como Filho de Deus e Salvador dos homens”.[12] Turner também concorda com isso explicando a fé de Efésios 4:5: “A fé em Jesus como um Senhor era regularmente o foco da confissão batistal”.[13] Embora seja verdade que não podemos separar Jesus de corpo de doutrinas, pois a fé em Jesus deve ser fundamentada na Bíblia, admitindo isso, Hendriksen comenta que neste texto trata-se da “confiança real e genuína -, por meio da qual abraçamos o único Senhor Jesus Cristo”.[14] E mesmo que o Corpo Governante das Testemunhas de Jeová estivesse certo em afirmar que “fé” seria crença religiosa e, portanto, um só corpo de doutrinas, perguntaríamos a tal liderança: Como poderia o Corpo Governante representar tal suposto único corpo de doutrinas se frequentemente mudam seus ensinos?
Portanto, vimos que a única religião verdadeira é Cristo e que o corpo de Cristo, seus seguidores, não possuem o dom de interpretar a Bíblia uniformemente, mas estão unidos na fé em Cristo Jesus, através da qual todos que nEle crerem serão salvos.
As Supostas Provas para se Intitularem a Única Religião Verdadeira
Enquanto a Bíblia ensina que Jesus é o caminho para o Pai, os movimentos heterodoxos se intitulam “atalhos” para Cristo; Sem ser membros de suas seitas não se pode chegar à salvação. Com as Testemunhas de Jeová não é diferente. E para inculcar na mente de pessoas desinformadas seu exclusivismo religioso, o Corpo Governante, através de suas literaturas distribuídas mundialmente pelas Testemunhas de Jeová, tem ensinado seus leitores a identificar a religião verdadeira da falsa da seguinte forma:
“Em que se baseiam os seus ensinamentos?” Procedem de Deus, ou em grande parte dos homens? (2 Tim. 3:16; Mar. 7:7) Pergunte, por exemplo: Onde na Bíblia se ensina que Deus é uma Trindade? Onde diz ela que a alma humana é imortal?[15]
Neste primeiro requisito para se identificar a religião verdadeira, o Corpo Governante tenta induzir seu leitor a concluir que a Bíblia não ensina as doutrinas da Trindade e da Imortalidade da alma e que, por isso, as denominações que creem assim não fazem parte da religião verdadeira. Todavia, a Bíblia ensina que o Pai é Deus (1 Coríntios 8:5, 6), o Filho é Deus (João 1:1; 20:28), o Espírito Santo é Deus (Atos 5:3, 4; 2 Coríntios 3:17), mas Deus é um só. (João 17:3) Destes textos, a Igreja Cristã oficialmente ensina este Dogma desde o século IV, no Concílio de Nicéia, em 325. E quanto à imortalidade da alma, quando ela é sinônimo de “espírito” na Bíblia, fala-se das almas dos mártires cristãos, “mortos por causa da palavra de Deus e do testemunho que deram” clamarem por justiça debaixo do altar. (Apocalipse 6:9, 10) [16] Assim, como almas salvas, estão vivas após a morte, mas não ressuscitadas ainda, visto que na escatologia do livro de Apocalipse a ressurreição dos salvos é descrita nos capítulos finais. Com essas bases bíblicas, podemos afirmar com certeza que crer nas doutrinas da Trindade e da imortalidade da alma não torna uma denominação cristã errônea.
Mas visto que as Testemunhas de Jeová possuem um Corpo Governante que muda de ensinos constantemente, poderíamos perguntar a elas: “Onde na Bíblia se ensina as crenças que o Corpo Governante já abandonou? Se ensinar o que não está na Bíblia torna o grupo uma religião falsa, então que tipo de religião são as Testemunhas de Jeová quando já ensinaram interpretações não bíblicas?
Vejamos agora um segundo requisito adotado pelo Corpo Governante para identificar a sua própria religião como a única verdadeira:
“Considere se ela torna conhecido o nome de Deus”. Jesus disse em oração a Deus: “Tenho feito manifesto o teu nome aos homens que me deste do mundo.” (João 17:6) Ele declarou: “É a Jeová, teu Deus, que tens de adorar e é somente a ele que tens de prestar serviço sagrado.” (Mat. 4:10) Será que a sua religião lhe ensinou que ‘é a Jeová que tem de adorar’? Chegou a conhecer a Pessoa identificada por esse nome — seus propósitos, suas atividades, suas qualidades — de modo a sentir que confiantemente pode aproximar-se dele?”[17]
Com este argumento, o Corpo Governante pretende ensinar que apenas as Testemunhas de Jeová usam o nome Jeová porque Jesus manifestava o nome de Deus. Mas Deus permitiu que a pronúncia do nome divino em hebraico fosse perdida, sendo que a pronúncia “Jeová”, conforme o Dicionário Bíblico Wycliffe, surgiu da seguinte forma:
“Nos séculos VI e VII d.C., os estudantes judeus massoréticos combinaram as vogais de Adonai com as consoantes YHWH para lembrar o leitor da sinagoga de que deveria pronunciar o nome como Adonai. Mas aquelas consoantes e vogais formam o nome Jeová, uma forma atestada pela primeira vez por volta do ano 1220 d.C. […] Yahweh era, sem dúvida, a pronúncia aproximada do tetragrama, da palavra de quatro letras YHWH, uma vez que foram encontradas transliterações para o grego na antiga literatura cristã, na forma de iaoué (Clemente de Alexandria) e iabé (Teodoreto), pronunciada “iavé”. A palavra é uma variação conectada com o verbo haya, “ser”, de uma forma mais antiga hawa.” [18]
Portanto, perguntamos às Testemunhas de Jeová e ao seu Corpo Governante: Por que Deus teria permitido que a pronúncia do nome YHWH fosse perdida há muito se um dos requisitos para identificar a religião verdadeira seria a pronúncia de tal nome, mesmo admitindo-se que Jesus tivesse usado a pronúncia correta do tetragrama? Não seria porque Deus pretendia que o nome Jesus estivesse acima de todo nome, conforme Filipenses 2:9-11?
Analisemos a seguir um terceiro requisito do Corpo Governante:
“Demonstra-se verdadeira fé em Jesus Cristo?” Isto envolve apreciar o valor do sacrifício da vida humana de Jesus e de sua posição hoje como Rei celestial. (João 3:36; Sal. 2:6-8) Tal apreço se demonstra pela obediência a Jesus — pela participação pessoal e zelosa na obra que ele comissionou a seus seguidores. A verdadeira religião infunde uma fé que é acompanhada de obras. — Tia. 2:26.[19]
Obviamente que todas as denominações cristãs ensinam a fé em Jesus Cristo como único meio de Salvação e, evidentemente, somos exortados pela Bíblia a demonstrar apreço ou gratidão, através de nossas obras, pelo sacrifício de Jesus na cruz. Mas o Corpo Governante tenta entrelinhas incutir em seus leitores que a religião verdadeira precisa demonstrar apreço por participar na modalidade de pregação que identifica as Testemunhas de Jeová: O trabalho de casa em casa. Todavia, o mandamento de Jesus é fazer discípulos. (Mateus 28:19, 20) Este é o princípio. O método usado não deve ser transformado numa doutrina. Todas as denominações cristãs têm feito discípulos, mas nem todos os cristãos têm participado na Grande Comissão. Estes terão de prestar contas a Deus. Mas a existência de tais inativos não anula o fato de que discipular e evangelizar não são obras exclusivas das Testemunhas de Jeová.
Além disso, retomando a questão princípio e método, o princípio bíblico e discipular e isso se inicia com a pregação do evangelho. Mas os métodos podem variar de pessoa para pessoa. Por exemplo, numa igreja há os que pregam nas ruas, com folhetos. Outros apreciam pregar no local de trabalha. Algumas irmãs organizam reuniões com as mulheres da igreja e convidam parentas e vizinhas para ali ouvirem uma mensagem bíblica. Outros ainda valem-se dos recursos tecnológicos, como a internet, para falar de Cristo. E outros poucos ainda vão de casa em casa. Assim sendo, uma igreja cristã pode evangelizar para discipular através de diversos métodos, tudo para estar de acordo com a Grande Comissão de Jesus.
Um quarto requisito na identificação da religião verdadeira à moda do Corpo Governante é o seguinte:
“Demonstra amor”: Os verdadeiros adoradores “não fazem parte do mundo”, não são divididos por raça ou cultura e demonstram ‘amor entre si’. (João 13:35; 17:16; Atos 10:34, 35) Em vez de matar uns aos outros, estão dispostos a morrer uns pelos outros. — 1 João 3:16.” [20]
Aqui o Corpo Governante procura incutir na mente de seus seguidores que o fato de as Testemunhas de Jeová não participar de guerras nem se tornar policiais, então estão livres de matar o próximo. Estariam até mesmo dispostas a morrer pelos outros. Sendo assim, não fazem parte do mundo e, por isso, são a única religião verdadeira. Todavia, Menezes aponta o problema deste ponto de vista com bons argumentos de que não constitui falta de amor participar de um serviço militar ou ir às guerras, quando afirma que “para manter a própria sobrevivência, a nação de Israel tinha seu exército. O próprio Jeová é chamado ‘pessoa varonil de guerra’ (Êxodo 15.3. NM) Em Josué 10.14 (NM), lemos que o “próprio Jeová lutava por Israel”. [21]
Além disso, se João Batista foi considerado um profeta do altíssimo e cumpridor do propósito de Deus para conduzir o seu povo no “caminho da paz”, conforme Lucas 1:76, 79, por que ele não ensinou os soldados, que se aproximaram dele desejosos de saber o que deveriam fazer, a abandonarem seu trabalho? Ao invés disso, João Batista lhes disse: “Contentai-vos com o vosso salário”. (Lucas 3:14)[22] Em outras palavras, continuem sendo soldados! Também, temos o exemplo de Cornélio. De acordo com Atos 10:1, ele era “centurião do regimento militar chamado Italiano”.[23] Se fosse necessário abandonar o serviço militar, as forças armadas, ou até mesmo renunciar a profissão de soldado, por que não observamos em parte alguma da narração sobre a conversão de Cornélio, no Capítulo Dez de Atos dos Apóstolos, que ele deveria deixar de ser Centurião? Por fim, o que mais soa estranho é que embora o Corpo Governante afirme que a verdadeira religião não mate uns aos outros, aconselha a seus seguidores: “Se for atacado ou sua propriedade violada, você pode chamar a polícia.”[24] Consideram pecado matar o próximo mas chamam a polícia armada, a qual poderá trocar tiro com bandidos e alguém sair morto ou ferido. Parece lógica a crença da seita Testemunhas de Jeová?
Por fim, um quinto requisito para se identificar a religião verdadeira na ótica do Corpo Governante tem a ver com as Testemunhas de Jeová não fazerem parte do mundo da política. Observe:
“Está realmente separada do mundo?” Jesus disse que seus verdadeiros seguidores ‘não fariam parte do mundo’. (João 15:19) Para adorarmos a Deus do modo como ele aprova é preciso que nos mantenhamos “sem mancha do mundo”. (Tia. 1:27) Pode-se dizer isso das religiões cujos clérigos e outros membros se imiscuem na política, ou cuja vida gira em grande parte em torno de desejos materialistas e carnais? — 1 João 2:15-17.”[25]
Não se pode negar que na política deste mundo muitos da Igreja Cristã se prostituíram com a corrupção. Todavia, será que a Bíblia proíbe a participação na política, como algo que mancharia o cristão, mesmo ele sendo íntegro? A resposta é não! Deus usou seus servos para ocuparem cargos políticos importantes. Por exemplo, considere o exemplo de José, feito Governador do Egito, conforme os relatos de Gênesis Capítulos 40 e 41. Sobre ele, Halley e Unger comentam respectivamente:
“José casou-se com uma filha do sacerdote de Om. Apesar de ter uma esposa pagã e de governar um reino pagão, manteve a fé que sempre teve, desde a infância, no Deus de seus pais, Abraão, Isaque é Jacó.” [26]
“Quando Potifar colocou José “por mordomo de sua casa” (39.4), o título empregado é a tradução direta de uma posição nas casas da nobreza egípcia. Faraó deu a José um ofício de título semelhante na administração do reino (41.46), correspondendo precisamente ao ofício de vizir, o administrador chefe do país, segundo em poder, após o próprio Faraó.”[27]
Também, considere o caso de Daniel. Nabucodonosor reconheceu o Deus de Daniel como “Deus dos deuses e Senhor dos reis, e o revelador dos mistérios”, pois Daniel havia interpretado o sonho dele. O resultado foi que Nabucodonosor “o pôs por governador de toda a província de Babilônia, e também o fez chefe principal de todos os sábios da Babilônia”. E sem contar que Daniel pediu que seu amigos Sadraque, Mesaque e Abdenego ocupassem o cargo de “superintendentes dos negócios da Província da Babilônia, mas Daniel permaneceu na corte real.” (Daniel 2:46-49) [28] Será que Daniel e seus amigos fizeram parte do mundo por ocuparem este cargo político? Com certeza, não, pois nada na Bíblia indica isso.
Mas e no Novo Testamento, será que há base bíblica para um cristão participar da política? Partindo do fato de que os políticos são autoridades, o apóstolo Paulo escreve que “todos devem sujeitar-se às autoridades do governo, pois não há autoridade que não venha de Deus, e as que existem foram ordenadas por ele.” (Romanos 13:1)[29] Portanto, o arranjo político de toda autoridade humana foi posto por Deus, e o fato de a maioria não viver à altura do que Deus espera não implica que um cristão não possa fazer a diferença na política de um país assim como José, Daniel, Sadraque, Mesaque e Abdenego fizeram.
Com esses exemplos em mente, o Corpo Governante demonstra estar incorreto em proibir seus seguidores de ingressarem em cargos políticos e fazer disto um requisito para identificar as Testemunhas de Jeová como a única religião verdadeira. Ele condena todo o arranjo político como pertencendo a Satanás, mas se beneficia das leis que eles criam e promulgam. Não seria isto participar do mundo da mesma forma? Se um país proibisse a liberdade das Testemunhas de Jeová praticar sua religião, não procurariam meios de influenciá-las ou até obrigá-las a voltarem atrás? Não apelariam para outras autoridades? Não seriam muito mais beneficiadas se no governo daquele país houvesse Testemunhas de Jeová para as representarem?
CONCLUSÃO.
Neste capítulo consideramos que o exclusivismo religioso apregoado pelo Corpo Governante das Testemunhas de Jeová não pode ser corroborado pela Bíblia. Observamos que suas bases e os meios para induzirem outros a identificar tal movimento como a única religião verdadeira podem ser facilmente questionados e refutados à luz da Bíblia.
Todavia, além de o Corpo Governante induzir erroneamente seus seguidores na questão da identificação da única religião verdadeira, ele também causa outro prejuízo sério à vida espiritual e social das Testemunhas de Jeová. Analisaremos isto no próximo capítulo. – Pr. Fernando Galli.
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[1] As Testemunhas de Jeová – Proclamadores do Reino de Deus, pp. 48, 49. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1992.
[2] Site: http://avoidjw.org/en/frequently-asked-questions/governing-body-jehovahs-witnesses/
[3] Poderá Viver Para Sempre no Paraíso na Terra, p. 190. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1982.
[4] DUPLEY, Timothy. Cristianismo Autêntico : 968 textos selecionados das obras de John Stott, p. 465. São Paulo: Editora Vida, 2006.
[5] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[6] IBDEM.
[7] VINE, W. E. Dicionário VINE : O Significado Exegético e Expositivo de Palavras do Antigo e do Novo Testamento, p. 939. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2002.
[8] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[9] PINTO, Carlos Osvaldo Cardoso. Foco e Desenvolvimento no Novo Testamento, p. 285. São Paulo: Hagnos, 2008.
[10] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[11] CHAMPLIN, R. N. O Novo Testamento Interpretado Versículo por Versículo, p. 596, Volume 4. São Paulo-SP: Hagnos, 2002.
[12] WOOD, A. Skevington. The Expositor´s Bible Commentary, p. 56, Volume 11. Grand Rapids, Michigan-EUA : The Zondervan Coporation, 1978.
[13] TURNER, Max. Comentário Bíblico Vida Nova, pp. 1858, 1859. D. A. Carson… [at Al.]. – São Paulo-SP: Vida Nova, 2009.
[14] HENDRIKSEN, William. Comentário do Novo Testamento : Efésios e Filipenses, p. 221. 2ª. Ed. São Paulo-SP : Cultura Cristã, 2005.
[15] Raciocínios à Base das Escrituras, pp. 312, 313. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1989.
[16] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[17] Raciocínios à Base das Escrituras, p. 313. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1989.
[18] Dicionário Bíblico Wycliffe, p. 544. Rio de Janeiro-RJ: CPAD, 2010.
[19] Raciocínios à Base das Escrituras, p. 313. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1989.
[20] O Fim da Religião Está Próximo, p. 4. Cesário Lange – SP: Torre de Vigia, 2006.
[21] MENEZES, Aldo. Por que Abandonei as Testemunhas de Jeová: o impressionante depoimento de quem viveu na seita: Uma resposta bíblica e definitiva, p. 332. São Paulo : Editora Vida, 2001.
[22] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[23] IBDEM.
[24] A Sentinela, 1º de Setembro de 2009, p. 23. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 2009.
[25] Raciocínios à Base das Escrituras, p. 314. Cesário Lange-SP: Torre de Vigia, 1989.
[26] HALLEY, Henry Hampton. Manual Bíblico de Halley: Nova Versão Internacional (NVI), p. 103. São Paulo-SP: Editora Vida, 2001.
[27] UNGER, Merrill Frederick. Manual Bíblico Unger, p. 68. São Paulo: Vida Nova, 2006.
[28] BÍBLIA SAGRADA Almeida Século 21. São Paulo: Vida Nova, 2010.
[29] IBDEM.